Um buraco sem fim

 

Estamos prestes a cair num buraco sem fundo, só fim. Nos agarramos ao nada, deitamos a cabeça no travesseiro cheios de pecados e sem culpa. Pra toda insônia uma pílula. A tela do celular de madrugada deixa mais a mostra a vida perfeita dos outros. Nesse infinito universo nos fingimos próximos e esquecemos o próximo. Nós sentimos cada vez menos, nos sentimos “mais pequenos”. Estamos rindo da dor e diferença alheia, fazendo graça de tanta desgraça ao passo que não sorrimos mais com tanta frequência. Cada bom dia ignorado ao porteiro ou padeiro não nos deixa esquecer que é sempre um péssimo dia. Parece que nos aproximamos de religião para nos afastarmos de Deus. Nos enfeitamos por fora pra disfarçar o que está podre. Compramos, adquirimos, obtemos, passamos no crédito. Vendemos nossa alma. Estamos por um fio porque somos incapazes de construir relações sólidas. Porque não somos sinceros e leais. Somos incapazes de admitir os erros ou aceitar os alheios, não somos humildades para pedir perdão, não somos capazes de perdoar. Não queremos mais consertar coisa alguma. Queremos tudo pronto, da comida ao amigo. Guardamos nosso verdadeiro “eu” pra desfilar tranquilo por entre as reuniões sociais, nos achamos íntegros se cumprimos essas regras sociais. Estamos queimando os outros e nos queimando junto nessa fogueira de “sim” e “não”. Estamos corruptívelmente falando sobre corrupção, assistindo de camarote arrogantes no poder. De vez em quando ainda discutimos sobre esse discurso de ódio. Mas nós odiamos tudo, até a nós mesmos. Fizemos da natureza: caos. Da humanidade: frescura. Dos nossos jovens: depressão. Das nossas crianças: bullyng. Dos nossos velhos: solitários. Fizemos dos nossos amores: ridículos. Sempre vamos gostar de quem não gosta da gente e desprezar quem nos trata bem? O que fazemos nessas 10 horas de trabalho, nesse tempo que fingimos ser quem não somos, fingimos gostar do que não gostamos, fingimos fazer o que não fazemos? Somos escorregadios e estamos à mercê desse abismo. Será que ninguém vê que não é, que não há progresso onde tudo é dor? E esse buraco sem fundo, até para os mais insensíveis, uma hora machuca.

Quem escreve

Prazer,
Jéssica Alencar

Sou jornalista, escritora e criadora do Querido Indizível. Te convido a dizer e ouvir e ler e escrever sobre as coisas, indizíveis, da vida. Afinal – querido – viver é indizível…

Me acompanhe

Posts recentes

Da vida adulta

Da vida adulta Vinho Netflix Cancelar a saída Pet Rolê na farmácia Sábado em casa Mas tem lugar pra sentar?

Ler mais »