Pro cara do elevador

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Eu queria dizer pro cara do elevador que nem sempre é um bom dia, por mais que as pessoas felizes, bem resolvidas e sucedidas troquem meias palavras sobre – Nossa, que calor –  ou se vai chover mais tarde. Que, às vezes, me soa falso demais desejar bom dia, enquanto desejo que tudo se exploda, quando tô puta com esse elevador lento e espremido fazer uma parada no nono andar.

A última coisa que eu queria é que o vizinho reparasse na minha cara de choro. Queria dizer que hoje eu não tô com a mínima vontade de ir em jantar de família, sorrir pra tia, provar que não sou tão ruim pra chefe algum. Não tô no clima pra sair e dar de cara com as mesmas pessoas.

Queria falar pra esse cara do elevador, que olha pra baixo pra ver se fica livre logo de mim, que cansa. Cansa ter que dar respostas, fazer o jantar, indiferença, trânsito, dieta e amor pelas metades. Que cansa sempre passar por cima de mim pra fazer sala, pra não ficar feio, porque é isso que se esperam socialmente. Que hoje tô afim de me enterrar no meu cobertor e não de esticar de cá e de lá o lençol pra parecer alguém organizado. Que hoje, amigo, não tô afim de dizer nem “oi”. Queria dizer pro cara do elevador que eu sou uma ingrata mesmo, uma rebelde sem causa, que faço tudo errado, que faço drama, mas que tento acertar. Que tô tentando, eu vou tentar.

Amanhã, juro, vou desejar bom dia. Não leve a mal. Mas hoje não tô afim de não ser eu por consideração, educação ou obrigação. Hoje, querido, tô afim de ser egoísta mesmo e me odiar por isso amanhã. Hoje eu tô afim de sumir. E se por acaso me encontrar, sinto muito se não trocarmos nenhuma palavra. Tô trocando de alma. Quem sabe amanhã a gente descubra mais coisas em comum do que ter o mesmo sindico e sentir o mesmo calor.

Quem escreve

Prazer,
Jéssica Alencar

Sou jornalista, escritora e criadora do Querido Indizível. Te convido a dizer e ouvir e ler e escrever sobre as coisas, indizíveis, da vida. Afinal – querido – viver é indizível…

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