Grande menina

H (1)

Os amigos disseram que não ia dar certo. O cara lá da rua de casa sempre me olhou enquanto tirava o carro da garagem, não sei se era medo ou torcida pra eu levar a outra metade do muro. Meus pais são mais comedidos, me dizem pra manter os pés no chão, quando já meteram os pés pelas mãos, talvez por isso, os perdôo. Meus quase amores sempre acharam graça dessa mania de inventar e me perguntam sem muita fé: que isso agora? Meu cachorro não costuma me obedecer, dizem que não tenho muita autoridade. É só uma menina, não tem outro adjetivo que substitua tão bem o que os outros desejam falar. Nem boba, nem ingênua, nem imatura, nem louca, só uma menina. Deixa ela crescer com a vida, dar com os burros n’água. A torcida é sempre grande para gente acreditar um pouco menos em nós e na vida. E as pessoas fazem isso sem perceber, elas nunca te perguntam antes: então, por que isso vai dar certo? Vai, vai em frente… De mil planos, um ao menos vai dar certo!
Ninguém te diz isso, no máximo da boca pra fora. Mas cansei de frases feitas, de “eu tô aqui para o que você precisar”, no fim do dia sou só uma menina só. Então, passou a hora de eu me bastar. Meus sonhos continuam loucos e grandes e talvez não, não se realizem. Mas é que sou toda de sonhos, se eles morrem eu só sobrevivo. E ainda quero viver, viver cada um dos sonhos de menina. Quero ser velha e ainda menina. Pra quem não percebeu, já sou mulher faz tempo, mulher suficiente para amenizar os fardos com um pouco de ingenuidade, de quem acredita mesmo sabendo que tudo pode não dar certo. De quem gosta de ver o outro com olhos de menina. Se você quiser alguém pra te dar um conselho, talvez não seja eu a melhor pessoa…

Vou falar pra você ir sempre. Mesmo que o caminho seja de pedras, mesmo que seja mais confortável e seguro continuar de braços cruzados. Nunca vou te aconselhar a fazer joguinhos, a dar um gelo na pessoa amada que é para ela ir atrás de você. Simplesmente porque nunca entendi a lógica invertida desse mundo, se você ama, vai lá diz que ama, mesmo que você seja o primeiro a dizer, talvez o único. Se você acredita, tampe os ouvidos e coloque no máximo isso de ter fé em você. Está insatisfeito no melhor emprego do mundo? Ora bolas, nem sempre precisamos do melhor, mas o suficiente para nos fazer feliz. Se tudo der errado, não se culpe pelo sentimento alheio, pelo egoísmo espalhado pelo mundo, muito menos pela injustiça. Viver, amar e continuar nem sempre são coisas justas. Por isso, quero voltar sempre a ser menina. Quando tudo te destruir e te tornar uma pessoa de coração duro e pouca fé, você vai entender que é preciso ser uma menina para ser uma grande mulher. Ela me diz sempre que vai dar certo.

Quem escreve

Prazer,
Jéssica Alencar

Sou jornalista, escritora e criadora do Querido Indizível. Te convido a dizer e ouvir e ler e escrever sobre as coisas, indizíveis, da vida. Afinal – querido – viver é indizível…

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