Nada mais do que era. Um rouxinol sem asas. Um arco-íris sem cor, já pensou? Eu chovia nos dias mais ensolarados e desaguava toda minha tristeza. Eu era. Era essa coisa que vive por viver, já viu? Acorda cedo, atravessa a rua, diz muito obrigado e dorme sem se conhecer. Essa coisa que insiste em perambular pela vida em cima de duas pernocas branquelas que não sabem sequer correr, mas sabem bem como é fugir até de si. Eu era sem forma e sem medida, uma gelatina escorrida. Cara de joelho emburrado. Eu era essa coisinha sem sal nem açucar. Te juro, não dava pra ver reflexo nenhum de dentro das minhas pupílas. Eu era um resmungão de plantão. Uma geladeira inteira de frieza, um corte sem ponto. Eu era o que eu não sou. Dá pra entender? Poxa, eu pensei, é desumano viver assim do lado oposto de mim. A partir daí eu era. A partir daqui eu fui